"Somos um público para arte computacional? A resposta não é Não; é Sim."
Variations VII - A obra de Cage apresentada dentro do 9 Evenings
Dou início a essa segunda newsletter, trazendo no título a frase dita por John Cage em maio de 66, quando participou de uma mesa redonda intitulada "A mudança do público para as artes em mudança" conectando com o final da news anterior, cuja frase dita por ele, foi a forma que finalizei aquela que foi a primeira a ser compartilhada nesse depósito que vem a ser o local que transborda, como já disse, tudo aquilo que não coube no projeto de pesquisa apresentado nesse segundo semestre do ano de 2023 e que faz parte do meu processo de busca e interesse acerca do assunto: dança e tecnologias.
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Para complementar o assunto 9 Evenings [ o encontro colaborativo entre artistas e engenheiros que trabalharam juntos para desenvolver equipamentos e sistemas técnicos utilizados nas performances apresentadas ] e passarmos para um próximo capítulo dessa relação dança e tecnologia, trago um trabalho específico e de autoria de John Cage:
Variações VII.
A justificativa [ não necessária? ] do motivo que me levou a escolher esse trabalho e, consequentemente, me aprofundar um pouco mais nele e não em outro é, justamente, pela relação com a música já apresentada em trabalhos anteriores de Cage, visto o trabalho / obra 4’33’’ de 1952 [ figura 01 ], a qual é composta de quatro minutos e 33’’ de silêncio, de uma não execução de uma única nota musical. Me aproximo da relação com a música pela proximidade do que permeia a minha história inicial em e com a dança, na minha formação técnica de dança: o sapateado.
Figura 01: Leaflet of a hologram of John Cage performing 4’33”. Published (questionably) by the New York Museum of Holography. ( em livre tradução: Folheto de um holograma de John Cage atuando 4’33”. Publicado (questionavelmente) pelo Museu de Holografia de Nova York. )
Fonte: https://johncagecollection.wordpress.com/2016/02/04/a-hologram-of-john-cage-performing-433/
Sobre essa relação com a técnica do sapateado e sua poética por meio das tecnologias, veremos esse assunto por aqui em um futuro breve, mas nem tanto assim, visto que ele é a minha principal pesquisa.
Variations é uma série de obras de cage, que se dividem em happenings e pesquisas / experimentações com músicas indeterminadas, sons experimentais.
Compartilho abaixo uma sequência com as oito variações [ variations ]:
Variations I: 1958 John Cage: Variations I (1958)
Variations II: 1961 John Cage: Variations II (1961)
Variations III: 1962 John Cage: Variations III (1962/1963)
Variations IV: 1963 John Cage With David Tudor – Variations IV Avantgarde, Experimental
Variations V: 1965 Variations V (1966) - Merce Cunningham Dance Company
Variations VI: 1966 John Cage, Variations VII
Variations VII [ 9 Evenings ]: 1967 John Cage, Variations VII
Variations VIII: 1968
Para o 9 Evenings, uma de suas primeiras ideias era utilizar comunicações televisivas transatlânticas, via satélite. Se este projeto de performance remota, precursor dos Jogos de Comunicação de Jacques Polieri1 em 1972 ou mesmo do Satellite Arts Project de Kitt Galloway e Sherrie Rabinowitz2 em 1977, não pôde acontecer da forma como primeiramente fora imaginada, Cage mantém, no entanto, nas Variações VII a ideia de presença remota: rádios e as linhas telefônicas permitiram retransmitir no palco, em tempo real, sons captados fora do local da apresentação, sendo assim, uma obra que contribui com a exploração da indeterminação na composição musical.
Nessa obra, outra preocupação e objeto de interesse de Cage, era o relacionamento com o público. Dentro do teatro, um aviso: “Assentos e sem assentos”, ou seja, os espectadores eram livres para se movimentar no palco ou permanecer sentados nas arquibancadas fornecidas - com a intenção de que o público estabelecesse sua própria relação com a obra e desenvolvesse sua própria experiência com ela.
De ordem técnica como que se deu essa obra?
O compositor era auxiliado por uma equipe de engenheiros e músicos, mixagem em tempo real sons transmitidos da cidade, o barulho dos utensílios do cotidiano, todos os tipos de sons para compor. O som de transitores, ventiladores, torradeiras e outros eletrodomésticos foram misturados com os de vários lugares de Nova York conectados via telefone, mesas repletas de amplificadores e cabos, iluminadas por projetores colocados diretamente no chão.
Importante dizer que:
“Utilizando como fontes sonoras apenas aqueles sons que estão no ar no momento da apresentação, captados através das faixas de comunicação, linhas telefônicas, microfones, juntamente com, em vez de instrumentos musicais, uma variedade de eletrodomésticos e geradores de frequência ." ( Livre tradução de: 9 Evenings: Theatre and Engineering, Pontus Hultén and Frank Königsberg eds. ([New York]: Experiments in Art and Technology: The Foundation for Contemporary Performance Arts, [1966]). )
Dos elementos projetados especificamente para 9 Evenings, Cage manteve o sistema codificador/decodificador, o Sistema de Controle Proporcional e o sistema de transmissão de áudio. Este dispositivo foi empregado para revelar quaisquer que fossem sons inaudíveis potenciais que pudessem surgir no hic et nunc3 da performance.
Atribuiu-se grande importância aos sons vindos do exterior (ruídos de restaurantes, sons de aviários, etc.), quer fossem transmitidos através das linhas telefônicas ou via rádio. Além disso, embora o aspecto visual fosse uma característica muito importante do próprio espectáculo, conferindo-lhe uma dimensão teatral, o diagrama ( Figura 02) não continha indicações de palco, mais uma vez, dando ao espectador, a forma de como estar e se relacionar com o espaço.
Figura 02: John Cage, Variations VII: Diagram
Fonte: https://hal.science/hal-02338052/document
Os vários dispositivos e operações que permitiam amplificar sons e, por vezes, transformá-los, estavam visíveis para o público: quase toda a caixa preta que fora desenvolvida estava em palco (Figura 03). Os telefones, mostrados na cabine de controle no diagrama, foram movimentados no palco durante a apresentação. A visibilidade de todo esse conjunto tecnológico conferiu uma qualidade concreta àqueles sons que estavam on no momento da apresentação, como indica Cage no programa 9 Evenings. [ confere o programa aqui: https://drive.google.com/drive/folders/1sHznBTe3CTw2en07H0-u-xz8uM31Di0l?usp=drive_link ]
Figura 03: John Cage, Variations VII: Diagram - Editada por mim.
Componentes físicos que faziam parte da organização técnica desta obra:
Sistema de controle, rádios, vários eletrodomésticos, incluindo ventilador e liquidificador, fotocélulas que foram montadas sob as mesas e conectadas a diversos dispositivos eletrônicos. A medida que os performers se moviam em frente a esses dispositivos, diferentes fontes sonoras eram ativadas. Sensores foram colocados na testa de um dos assistentes de Cage para capturar as ondas alfa do cérebro. Linhas telefônicas para transmitir sons de fora da sala ao vivo durante a apresentação ( figura 04).
Figura 04: Linhas telefônicas que transmitiam sons exteriores em tempo real
Fonte: https://www.fondation-langlois.org/9evenings
Todas as entradas, exceto as células fotoelétricas, convergiram para o equalizador. Os sinais sonoros captados passavam por diversas transformações antes de serem amplificados e reproduzidos nos diferentes alto-falantes distribuídos pelo espaço. O Sistema de Controle facilitava essa espacialização sonora. As células fotoelétricas localizadas sob as mesas eram ativadas por Cage e seus assistentes à medida que passavam [ Figura 05 ]. Conectados a um sistema de codificadores e decodificadores, eles acionavam diferentes fontes sonoras de forma totalmente aleatória.
Figura 05: Mesas de operação
Fonte: https://www.fondation-langlois.org/9evenings
Vocês podem conferir mais sobre essa performance aqui:
https://www.numeridanse.tv/videotheque-danse/john-cage-variations-vii
Uma obra cujo sistema com fotocélulas se relacionavam com performers através dos seus movimentos executados e que geravam sons quando o feixe de luz fosse cortado, atravessado por esses movimentos. Antenas que captavam o movimento dos performers a menos de quatro metros, resultando em mais sons que eram distribuídos nas caixas alto falantes distribuídas pelo espaço. O som desenvolvido que alimentava um mixer de cinquenta canais.
Essas doze antenas de 1,5 metro e os aparelhos dividiam espaço com os dançarinos: Merce Cunningham, Carolyn Brown, Barbara Dilley Lloyd, Sandra Neels, Albert Reid, Peter Saul e Gus Solomons. Com estímulos visuais e a integração das medias, filmes com imagens de televisão distorcidas por Nam June Paik também eram projetados em uma tela na parte de trás do que seria o palco, ao fundo dos performers.
A relação das artes (dança e som) com meios tecnológicos reafirma o desejo desa interseção. Ao estimular todos os sentidos do homem e ressignificá-los através da combinação com os meios, Cage e Cunningham4 trouxeram conceitos inovadores para a sua época e foram precursores nessa relação entre dança e tecnologia.
Essa interação entre humano e máquina, dentre outras coisas, define e nos apresenta a existência de reciprocidade, diálogo, relação e a então mediação de vários agentes, através dessa capacidade de meios e sujeitos agirem ao mesmo tempo. Ação e recepção, uma troca e uma resposta devolvida para o meio.
O que me interessa nessa relação, nessa interseção, entre ciência e arte, é traçar essa relação como um lugar de possibilidades. Entender e refletir o que nos alerta Ivani:
“ (...) para que não seja mais difundido que basta colocar um vídeo em cena para poder compartilhar o mesmo espaço daqueles que passam décadas testando e experimentando softwares, sensores, sistema interativos, interessados em distender a relação entre o corpo e as novas mídias” (Santana, 2006)
Quer saber mais sobre esse capítulo? Sobre Variations VII ou 9 Evenings?
Deixa teu comentário aqui e vamos hablar. : )
Criador da cenografia moderna, inventou espaços de design revolucionário, nomeadamente um “teatro com palcos anulares” Site: http://www.jacques-polieri.com/fr/polieri_createur_d_une_scenographie_moderne
Expressão que significa o aqui e agora.
https://www.mercecunningham.org/