O primeiro queridinho software de interatividade a gente nunca esquece! {
Aqui falo sobre uma das tantas experiências utilizando Isadora.
‘Trata-se da linguagem digital, que permite a produção e a manipulação de quaisquer elementos de texto, som e imagem, incluindo uma ampla margem de possibilidades, tais como a gráfica e a animação computadorizadas, imagens digitalizadas, esculturas cibernéticas, shows de laser controlados e manipulados por computador, eventos cinéticos, telecomunicacionais e muito mais.’ (Santaella, Lucia, 2008, estética das linguagens líquidas)
Tinha planejando que essa newsletter seria para falar sobre os três primeiros softwares que conheci e experimentei quando, ainda no início do meu interesse, na investigação em dança com as novas tecnologias, quando o frivião das perguntas, dos 'e se…?', aqui sempre lembro do que fala Thereza Rocha: Se o corpo faz uma pergunta a si, é, porque nele já se inaugurou uma vontade de pesquisa, nela, uma mutação subjetiva que dificultará ao corpo continuar gostando de repetir sotaque de dança já dados por uma técnica em particular. (ROCHA, p.115, 2016) Pois, graças às perguntas, junto ao desejos de investigação, com a colaboração e orientação de Armando Menicacci1, comecei lá em 2010/2011 os estudos teóricos e práticos em dança e novas tecnologias, entendendo softwares com o corpo, aprendendo a programá-los, trocando com mais artistas que tinham o interesse em comum pela mediação tecnológica, ministrando oficinas, participando de rodas de conversas, seminários, conheci e pude experimentar alguns softwares: Isadora, Eyecon e Corisco. Dos três, o primeiro é o único que continuo utilizando, então, será sobre Isadora que escreverei hoje. Nas próximas: Eyecon e Corisco. Em seguida sobre o processing, apresentando alguns experimentos que venho fazendo com códigos criativos ao longo dos últimos dois anos e meio.
Mas antes:
Definição e características de softwares de interatividade
Os softwares de interatividade na dança ou mesmo na arte digital são caracterizados como ferramentas tecnológicas elaboradas para que se permita quando na criação de trabalhos específicos, que respondam a estímulos digitais. Por exemplo, através do uso de câmeras que se capture o movimento da pessoa que o executa, ou no uso de sensores de movimentos, sons e outros. Através desses softwares podemos sincronizar movimentos que ativam uma luz, podemos emitir sons que transformam uma imagem projetada em tempo real.
Essa interação entre humano e máquina, dentre outras coisas, define e nos apresenta a existência de reciprocidade, diálogo, relação e a então mediação de vários agentes, através dessa capacidade de meios e sujeitos agirem ao mesmo tempo. Ação e recepção, uma troca e uma resposta devolvida para o meio.
Agora sim, vamos à Isadora!
Isadora é uma ferramenta para artistas, designers, performers que querem adicionar vídeo e mídia interativa para seus projetos, conhecido por trabalhar com interatividade, manipulação em tempo real. Contendo uma interface que, desde sua criação, tem como intenção aproximar artistas da dança por meio de um software que permite outras possibilidades de se pensar a dança e a programação, aproximando artistas que não são programadores para, através de programação blocada, ou seja, podendo ser interligados para facilitar a ausência ou o pouco conhecimento em lógica algorítmica, ou seja, um software criado para ser aproveitado por vários usuários, com vários níveis de conhecimento, não obrigatoriamente, precisando ser uma programadora ou programador de alguma linguagem código especifica.
O software vem com um manual em PDF, links com vários tutoriais, desde programações mais simples a outras mais complexas, arquivos de exemplo e um fórum no site da troika tronix onde é possível entrar em contato com outras pessoas que também utilizam o software nos seus projetos.
Isadora é compatível com sistemas MAC e Windows. Sua versão teste é gratuita, no entanto, não permite que os projetos sejam salvos, justamente por não ser um software livre, o que faz com que a versão gratuita seja possível somente para conhecer e testar as possibilidades do programa. O custo do software atualmente está entre US$550 dólares a US$300 dólares e conta com descontos acadêmicos individuais ou em grupos, o que não diminui a dificuldade de acessibilidade principalmente para artistas independentes.
Isadora no contexto pandêmico: uma teleperformance
Durante a pandemia, mais especificamente, em 18 de março de 2020, Mark Coniglio2, o desenvolvedor de Isadora começou a realizar uma sequência de vídeos tutoriais chamados Guru Sessions (figura 01), apresentando as atualizações do software que contribuiria para que muitos artistas não parassem suas atividades, muito pelo contrário, essa atualização foi fundamental para a dança telemática que aconteceria naquele momento conectando artistas de vários lugares do mundo.
Figura 01 - Guru Session: vídeos tutoriais apresentando as atualizações do software
Para ver o vídeo clique aqui
Nessas sessões realizadas ao vivo, em seguida disponibilizadas para quem quisesse acessar posteriormente, Mark apresentou as atualizações do software e as possibilidades de uso para a realização de teleperformance, que naquele contexto pandêmico, precisava se atualizar e adaptar as demandas de artistas digitais.
Experiência na utilização de Isadora durante a pandemia:
No dia 11 de março de 2020 foi decretado o estado de pandemia em relação ao coronavírus pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Diante do impedimento de ocuparmos salas de teatro e/ou outros espaços que fosse possível exercer a profissão de cada pessoa dentro do contexto artístico, para realizar suas atividades, outras formas de criar e compartilhar foram aparecendo como um lugar possível.
O desenvolvedor Mark Coniglio, diante da demanda do contexto pandêmico realizou uma atualização que pudesse suprir as necessidades do período, tornando-se um software viável de pegar qualquer fluxo vídeo e misturar na mesma imagem para que pudéssemos dançar juntos, mesmo estando separados, criando uma dança telemática, ou teleperformance. Isso permitiria que dramaturgias fossem criadas e transmitidas utilizando Isadora junto a outras plataformas da web como youtube, por exemplo (figura 02). Um enquadramento vídeo para transformar essas plataformas em ferramentas de compartilhamento de obras artísticas criadas durante a pandemia, para que em vez de nos separarmos, pudéssemos estar juntos, de forma segura, mas seguindo na construção de poéticas dentro de um contexto possível para o momento que o mundo atravessava coletivamente.
Figura 02 - Print da tela do computador durante a transmissão no youtube
Fonte: da autora
Exemplificando o que foi dito anteriormente, em 2021, durante o mês de fevereiro, aconteceu a realização de um ateliê de Formação–Presença à Distância acerca da Teleperformance e Live streaming dentro da Bienal Internacional de Par em Par, com direção de Armando onde fiz sua sua assistência, ( https://studiosit.ca/immediacoes/ ) com o intuito não só de formar artistas nessa presença digital necessária, a utilização de Isadora, mas com a proposta de montar um trabalho a ser exibido dentro da Bienal.
Nessa formação e teleperformance participaram artistas criadores do Brasil, Canadá e França. No Brasil estavam divididos nas seguintes localizações: Salvador, Goiânia, São Paulo, Florianópolis, Fortaleza, Vitória, Viçosa e Canavieiras. Importante dizer que a maioria dos artistas que participaram dessa residência não tinham como características do seu trabalho a mediação tecnológica, essa proximidade se deu a partir da urgência surgida por causa da pandemia.
Outras duas ferramentas software que foram utilizadas junto a Isadora para que essa residência e teleperformance acontecesse foi:
Zoom OSC (figura 03), da Liminal Apps, que visa criar soluções para eventos realizados de forma remota, contribuir para processos de reinvenção e adequação de trabalhos digitais.
Figura 03 - Apresentação do ZoomOSC para os artistas da residência
Fonte: da autora
OBS (figura 04), um programa de streaming e gravação, ambos com suporte para Windows e Mac.
Figura 04 - Print da tela de computador na utilização do OBS
Fonte: da autora
“Entre a presença e a ausência tem um outro estado que é a Telepresença.” (ARMANDO, 2020 - DAS ARTES, Porto Iracema. Co-laborações remotas – Dramaturgias da tela.)
Essa não foi a primeira, muito menos a última experiência usando Isadora como ferramenta técnica para a criação em dança, foi apenas o exemplo de utilização com o software em relação com outros que senti interesse em compartilhar nessa newsletter.
Logo após essa experiência o software passou por atualizações, criando maior autonomia. Isadora 4.0 saiu recentemente e está disponível para download.
São experiências e encontros como esse que mostram que é possível pensar e executar outras formas de criar em dança. Através, não somente de recursos tecnológicos, mas do agrupamento de pessoas cujo interesse pela máquina seja, também, para além dela, tornando encontro entre técnica e tecnologias algo do campo do sensível, transformando enquanto se é transformado.
Referências:
ROCHA, Tereza. O que é dança contemporânea? : uma aprendizagem e um livro de prazeres / Thereza Rocha; ilustrações Clara Domingas. - Salvador: Conexões Criativas, 2016.
Co-laborações remotas – Dramaturgias da tela. YouTube, 24 de setembro de 2020. Disponível em:
Na época era diretor da Mediadanse, Paris – Dance Department Media laboratory voltado para pesquisa, pedagogia e criação em dança e em media digital. Professor na Escola de Belas Artes e|m|aFructidor.
Mark Coniglio é reconhecido como um pioneiro na integração de live performance e tecnologia digital interativa.