< UM DOS > ENCONTRO [ S ] DA DANÇA COM AS TECNOLOGIAS
Compartilhando uma pesquisa em dança e mediação tecnológica
< UM DOS > ENCONTRO [ S ] DA DANÇA COM AS TECNOLOGIAS;
Aqui, começo a compartilhar, publicamente, um tanto do que venho pesquisando e colocando em texto. A invenção dessa newsletter surge com o desejo de salvar, de alguma forma, tudo aquilo que não coube dentro de um projeto de pesquisa escrita acadêmica, dividir o que permeia o meu fazer em arte, em vida. Sem muita formatação, ou revisão, como um Frankenstein [ como eu mesma ] cheia de remendos, mas existindo.
A arte está sempre se readaptando de acordo com o seu meio e o meio está eternamente em estado de mudança, o que não poderia ser diferente com as tecnologias que estão sempre num looping de desenvolvimento, atualizações e adaptações com o mundo no qual estamos inseridos. “A mudança é provocada em todo o contexto da sociedade em um processo inevitável, contínuo e cego.” (Santana, 2006)
O encontro entre dança e novas mídias, a cultura digital, softwares de interatividade, estabeleceria possibilidades ímpares abrindo caminho para formas inaugurais nessa relação. Seriam várias as formas de contaminação entre indivíduos e o meio. “Muitas das experimentações na utilização de dispositivos tecnológicos e científicos no campo da arte vieram acompanhados por um processo de hibridização entre meios, linguagens e suportes diversos” (idem)
Com a evolução da tecnologia, que segue passando por atualizações, modificando o mundo, ou seria vice versa e essa evolução/atualização das tecnologias que modifica o mundo? Acontece que a forma de se perceber, de pensar e agir, diferentes desejos de criar com e a partir iam surgindo. A chegada do computador apenas contribuiu para ampliar essas possibilidades de criar em relação, de fazer uma dança mediada, a partir dessa relação. Agora um gesto pode ser digitalizado e transformado em som, em luz, um trabalho em conexão entre as coisas graças ao digital. Os softwares começam a trazer a possibilidade de que artistas possam programar através de linguagem blocada, tornando possível que através do uso da máquina seja possível criar outras formas de se expressar em dança.
Os anos 60/70 foi uma época muito forte nos processos interdisciplinares, onde as artes visuais e a dança, se relacionaram e criaram fusões de trabalho. Um dos movimentos marco da arte tecnologia foi o 9 evenings [ Figura 01 ] em 1966, realizado em New Jersey, onde os participantes eram 10 artistas e cerca de 30 engenheiros para criar uma mistura de teatro de vanguarda, dança e novas tecnologias. 9 Evenings: Teatro e Engenharia foi uma série de apresentações de 13 a 23 de outubro de 1966, onde artistas e engenheiros dos Laboratórios Bell em Murray Hill, Nova Jersey, colaboraram no que seria o primeiro evento de uma série de projetos que se tornaram conhecidos como EAT [ Experiments in Art and Technology ] ou, em português, Experimentos em Arte e Tecnologia.
Os artistas envolvidos foram: John Cage, Lucinda Childs, Öyvind Fahlström, Alex Hay, Deborah Hay, Steve Paxton, Yvonne Rainer, Robert Rauschenberg, David Tudor, e Robert Whitman [ Figura 02 ]. Alguns nomes na engenharia: Bela Julesz, Billy Klüver, Max Mathews, John Pierce, Manfred Schroeder, and Fred Waldhauer. Nomes como Lucinda, Steve, Yvonne e Deborah são provenientes da dança que estavam se relacionando com pessoas da engenharia para fazer algo que relacionasse a dança com a tecnologia.
Figura 01 - Poster de divulgação do 9 evenings - 1966
Fonte: https://monoskop.org/9_Evenings:_Theatre_and_Engineering
Figura 02 - Poster de divulgação do 9 evenings com imagem das pessoas participantes - 1966
Fonte: https://www.moma.org/audio/playlist/40/657
Segundo a revista de arte contemporânea Lacritique.org, uma revista online de arte contemporânea, essa semana marca “o verdadeiro início das conexões entre arte e tecnologia". O que, sabemos, não é correto afirmar porque no final do século XIX, a Loïe Fuller com os irmãos Lumière e a Serpentine Dance acontecendo, em seguida, no século XX encontramos Leon Theremin, criador do famoso theremin, mas não só, ele também foi o criador do Terpistone, uma plataforma construída em Nova York, por volta de 1930, projetado para sua esposa, Lavínia Williams, que era dançarina. Dada essa ordem cronológica dos encontros entre dança, arte e tecnologias, repito, não é correto afirmar que 9 evenings é “o verdadeiro início”, mas sim, podemos afirmar a importância desse acontecimento para reafirmar que, historicamente, artistas investigam diferentes tecnologias no seu fazer.
Na dança, diferentes tecnologias estão conectadas na sua realização, como a sapatilha de ponta, refletores, a luz artificial, as chapinhas do sapateado, a vídeo dança existindo como linguagem, softwares interativos tantas outras que vão se atualizando com essa relação e o que diferencia essas tecnologias é o que está sendo possível na época de cada uma, o tipo de tecnologia existente para realizar essa interatividade, essa mediação.
Voltando para 9 evenings, esse encontro colaborativo entre artistas e engenheiros que trabalharam juntos deu vida ao desenvolvimento de equipamentos e sistemas técnicos que foram utilizados nas performances apresentadas. Essa colaboração resultou numa produção e abertura de muitos caminhos para a utilização de novas tecnologias para a arte, como: circuito fechado de televisão e projeção de televisão; uma câmera de fibra óptica que captou objetos no bolso de um artista; uma câmera de televisão infravermelha capturou a ação na escuridão total; um sonar Doppler traduzia movimento em som; e transmissores e amplificadores FM sem fio portáteis transmitiam a fala e os sons corporais para os alto-falantes Armory [ figura 03 ].
As performances apresentadas foram:
Variations VII - John Cage
Vehicle - Lucinda Childs
Kisses Sweeter Than Wine - Öyvind Fahlström
Grass Field - Alex Hay
Solo - Deborah Hay
Physical Things - Steve Paxton
Carriage Discreteness - Yvonne Rainer
Open Score - Robert Rauschenberg
Bandoneon! (A Combine) - David Tudor (performance engineer Fred Waldhauer)
Two Holes of Water - 3 - Robert Whitman
Figura 03 - frames do vídeo Robert Rauschenberg, ‘Open Score’ (9 Evenings: Theater and Engineering) 1966.
Fonte:http://www.lacritique.org/article-9-evenings-art-theatre-engineering-une-premiere-mondiale?var_recherche=9%20evenings
Nesse vídeo podemos assistir um pouco do que foi documentado dessa noite:
Aqui a internet nos presenteia com uma playlist sobre o assunto:
https://www.youtube.com/playlist?list=PL-0U-qTK_JA4K0lCa3ouoBiDYbqgpnCxD
No link a seguir, é possível acessar o catálogo do 9 evenings ( em inglês ):
https://drive.google.com/file/d/1TcbGM3uAQh9ftpcNujHGZTbONWg5wkQ5/view?usp=sharing
Concluo essa primeira parte falando que poderia ficar horas e horas compartilhando essa narrativa sobre 9 evenings nessa primeira “carta”, mas deixarei para as próximas um mergulho em duas das dez performances apresentadas, sendo uma delas a Variations VII de John Cage que em maio de 66 participou de uma mesa redonda intitulada "A mudança do público para as artes em mudança".
Cage começou sua fala com uma pergunta:
"Are we an audience for computer art? The answer's not No; it's Yes.".
Em PT BR:
"Somos um público para arte computacional?
A resposta não é Não; é Sim."